Ali ignorando o relógio, desconhecendo horários, rodeado de alfarrobeiras, figueiras e amendoeiras, com o mar a desafiar-me na linha do horizonte, tenho tempo para divagações e invocações de quiméricos projectos, justapondo as minhas raízes rurais transmontanas.
De manhãzinha ou à tardinha, gosto de andar pelos carreiros , por vezes, surpreendido por uma cobra que os atravessa ou um coelho que salta da sua cama próxima, ao mesmo tempo que me regalo com o canto dos passarinhos e das rolas gordas, das poupas, dos picanços e outras aves, que esvoaçam de árvore em árvore, bem como perscrutar as corujas que se acoitam nos buracos das paredes da nora, à boca da qual vou provar o eco.
Observo ainda o brilho reluzente dos pirilampos, luzes perenes no escuro das noites.
Os meus pássaros preferidos, desde a infância, são os irrequietos pintassilgos doirados, pela alegria do seu canto e cores vivas da sua plumagem. De quando em também diviso um camaleão, regalado ao sol ou movimentando-se lentamente, num ramo de uma árvore à espera de lançar a língua pegajosa [enrolada dentro da boca] para fora, por forma a alcançar o alimento.


Nas minhas ausências deste paraíso rural vou a Messines ou a Silves onde no Al Karib, num ambiente tranquilo, saboreio o meu café [com um rebuçado] e leio as últimas no meu diário preferido, o JN.
O nome Al Karib faz jus às tradições árabes de Silves.
Silves cidade histórica do Algarve, situa-se também no barrocal algarvio. A sua importância ao longo da sua história deve-se muito ao rio Arade, que corre lentamente para o mar e sempre serviu a cidade e as suas férteis margens.
As suas origens, muito remotas, são de difícil datação. Pensa-se ter origem anterior á chegada dos cartagineses, talvez de fundação fenícia [900 a.C.].
OS ÁRABES EM SILVES
É no período Árabe, entre o século VIII e XII, quando o seu nome é Xilb ou Xelb, que atinge o seu esplendor tornando-se uma das mais importantes cidades do Garb al-Andalus. Foi então várias vezes capital e desse período legou-nos uma quantidade de vestígios que não deixam dúvidas sobre o seu nível cultural dessa época.
Ocupada pelos árabes vindos do Iémen e por colonos norte-africanos após a ocupação da península ibérica no século VIII, Silves passou a fazer parte do califado Omíada de Damasco e abraçou a civilização especial árabe. A cidade era o berço da dinastia independente, a de Banu Muzain.
Em 1053 foi conquistada por Al-Mutamid, senhor do Reino de Taifa de Sevilha através do comando do seu filho Al-Mutamid que transformaria Silves numa cidade cosmopolita, admirada por todo o império Muçulmano, onde a cultura assumiu posição de grande importância "A poesia de AL-MU’TAMID".
Além de Governador de Silves e Rei de Sevilha de 1053 a 1091, Al-Mu’tamid permaneceu na história como grande poeta que nos levou a uma admirável e nostálgica poesia, que poetas, escritores e historiadores árabes não deixaram de glorificar. De características amorosas, trágicas e históricas a sua poesia testemunha não só uma época histórica muito conturbada, como descreve com grande minúcia os ambientes exuberantes, os prazeres, as vivências eos sentimentos que rodearam.
É de Al-Mu’tamid a mais antiga referência ao Palácio das Varandas e a uma das mais belas descrições de Silves:

EVOCAÇÃO DE SILVES
SAÚDA, por mim, Abû Bakr
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha.
Saúda o Palácio dos Balcões
Da parte de quem nunca o esqueceu,
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu
Doce refúgio encontrava
Entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas.
Ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
Preso nos jogos do amor
com a pulseira curva,
Igual aos meandros da água,
enquanto o tempo passava…
ela me servia vinho:
o vinho do seu olhar,
às vezes o do seu copo,
e outras vezes o da boca.
tangia-me o alaúde
e eis que eu estremecia
como se tivesse ouvido
tendões de colos cortados.
Mas se retirava as vestes
grácil detalhe mostrando,
era ramo de salgueiro
que me abria o seu botão
para ostentar a flor.
A sua mulher Itimad Al-Rumaykya um dos seus mais belos poemas de amor.
Acróstico
Invisível a meus olhos
Trago-te sempre no coração
Te envio um adeus feito paixão
E lágrimas de pena com insónia.
Inventaste como possuir-me
E eu, ó indomável, submissa vou ficando!
Meu desejo é estar contigo sempre,
Oxalá se realize tal vontade!
Asseguro-te que o juramento que nos une
Nunca a distância o fará quebrar.
Doce é o nome que é o teu
E aqui fica escrito no poema: Itimad
Al Mutamid Ibn Abbad, séc. XI in Adalberto Alves “Al Mu' tamid, poeta do destino” 1999
Estátuas que evocam personagens árabes
Praça com o nome do famoso filho do rei que no século XI conquistou Silves.
Esta praça estende-se pela margem direita do rio Arade.
É um espaço privilegiado onde se realizam várias actividades culturais durante o Verão.