As salas de estudo
Os alunos eram distribuídos por amplas salas de estudo de acordo com o ano que frequentavam.
Cada carteira, para dois lugares ,tinha um tampo e subjacente um espaço para os livros cadernos e material escolar. Ao lado, em baixo, havia um armário com uma prateleira e respectiva porta. Quer o tampo, quer a porta tinham duas argolas para se poderem fechar a aloquete [cadeado]. Estes acessórios de segurança eram por nossa conta.
Era nesta sala, vigiada por um perfeito, que estudávamos e púnhamos em dia os nossos deveres em silêncio, nada de basqueiro. Quando faltava a luz, isso é que gerava grande confusão.l
Por vezes, à socapa, em vez de estudarmos lia-mos revistas de banda desenhada – Gibi, Guri –, e livros de aventuras - principalmente da Colecção Salgari. Esses livros e revistas eram às vezes confiscados pelo prefeito ou pelo director de disciplina – o Ratão – quando aparecia sub-repticiamente na sala de estudo.
O economato
Recorríamos ao economato, duas vezes por semana, para aquisição de livros e artigos de papelaria que necessitássemos. Estes artigos eram fornecidos, mediante requisição prévia, após as aulas, durante as horas de estudo. Por vezes exagerávamos nas aquisições e daí resultava uma conta calada.
Pelo que me toca, uma vez fui chamado à Direcção, que considerou que os meus pedidos tinham excedido o razoável. Os meus pais iriam achar exagerada a despesa. Propuseram que aquela despesa poderia ser distribuída por três meses, desde que me comprometesse a ter mais contenção em despesas futuras. Assim foi acordado e cumprido. Mesmo assim o meu pai achou as contas exageradas.
Os dormitórios
Havia três dormitórios: o dos pequenos, para os do 1º 2º anos, o pavilhão – para os dos 3º,4º e 5º anos e o dos médios e grandes para os do 6º e7º anos. Eu frequentei os dois primeiros.
Todos os dormitórios eram vigiados permanentemente por um prefeito, que dormiam num quarto contíguo com porta para o interior do dormitório. Portanto nada de folestrias para não arranjar alguma estrangeirinha.
O quarto do director de disciplina era contíguo aos dormitórios dos grandes e dos pequenos; com porta de entrada para o átrio de separação dos dois dormitórios e outra porta que dava para o interior do dormitório dos pequenos.
Tomávamos banho duas vezes por semana. Levantávamo-nos às seis horas, seguindo em pijama e chinelos para os balneários, levando cada um a sua toalha de banho, sabonete e roupa interior para mudar – cuecas e camisola interior.
Alguns ficavam na cama a moinar, alegando estarem constipados, com febre, ou outra desculpa qualquer, que nem sempre era aceite pelo perfeito, sendo mesmo obrigados a ir ao banho.
A enfermaria
A enfermaria ficava no 2º piso da ala direita, do edifício, à entrada do Colégio. Tinha cerca de uma dezena de camas.
Quando precisávamos de qualquer curativo, tratamento, recorriamos aos serviços prestados na enfermaria.
Quando qualquer aluno tinha uma doença ou doença infecciosa – sarampo, varicela, etc. – ficava nela internado. Eu, recorri a ela somente para tratamento de um ou outro arranhão. Tínhamos autorização, sempre que fosse possível, para visitar os nossos colegas na enfermaria.
A barbearia
A barbearia situava-se no 2º piso do corpo central do edifício. Funcionava depois das horas de aulas, durante as horas de estudo. Os alunos eram chamados por ordem de inscrição. O barbeiro era muito cuidadoso e educado. Por vezes tomava medidas de profilaxia para a evitar a propagação de parasitas nas nossas cabeças, desinfectando-as e cortando o cabelo mais curto se necessário. Isto chamava logo a atenção dos colegas quando o contemplado regressava à sala de estudo, sendo motivo de gozo à socapa.
Aconteceu-me isso uma vez. Assim que dei conta que o barbeiro estava a cortar-me o cabelo mais curto que o normal, não estive com demasias, levantei-me da cadeira, com o cabelo meio cortado e meio por cortar, regressei à sala de estudo assim mesmo. Aquilo foi motivo de gozo para os outros companheiros, mas não me dei por achado. Passados instantes fui chamado à direcção. Aí, o padre Adão, quis saber a razão do meu abandono prematuro da barbearia. Lá contei a minha história. Ele então disse-me: "Sabes! Tu tinhas umas sementezinhas na cabeça e o barbeiro teve que as eliminar. Agora vais lá voltar para ele acabar de te cortar o cabelo". Um pouco contrariado lá fui mas... com a condição de não mo cortar mais curto.
A rouparia
A rouparia funcionava na cave do corpo central do edifício. Lá estava guardada, em cacifos com o número de cada aluno – o meu era o 134 – a roupa interior de cada um devidamente passada a ferro e dobrada.
Alguns tinham tudo do bom e melhor, desde as camisas de popelina, até aos pijamas de popelina e flanela. Eu e outros transmontanos, limitávamo-nos às camisas e pijamas feitos nas costureiras lá da terra.
O responsável pela rouparia era o bom do Sr. Bento, homem já de meia-idade, alto e de cabelos já brancos puxados para trás com auxílio de brilhantina, como se usava na altura. Tinha toda a paciência do mundo para atender as nossas reclamações, principalmente quando queríamos determinada roupa para vestir aos domingos.
Fazia também maravilhosas bolas de trapos, que vendia por cinco coroas, para jogarmos futebol no recreio, embora fosse proibido, dando, de vez em quando, uns chutos na atmosfera. ou então acertando num vidro que os pais tinham que pagar. Motivo porque muitas vezes essas bolas eram confiscadas pelo prefeito.
Actividades Culturais e Recreativas
Aos sábados, no período da manhã, tinham lugar as actividades recreativas e culturais em que nós os alunos uniformizados com a farda da mocidade portuguesa – de camisa verde com o emblema da Mocidade Portuguesa, calção caqui com cinto de couro e fivela com um S de Salazar – marchávamos, desfilando.
A Mocidade Portuguesa enquadrava a juventude em idade escolar, obrigatoriamente entre os 7 e 14 anos, voluntariamente até à incorporação militar. No âmbito da MP era também organizadas paradas, acampamentos e sessões de ginástica..
Os professores de ginástica: Major Tamegão, Prof. Edgar Tamegão e um Tenente da GNR, cujo nome não me ocorre, coordenavam e dirigiam essas actividades.
No fim íamos para a sala de cinema, ver documentários, – alguns deles de propaganda do Estado Novo - e filmes com o Bucha e o Estica, o Tarzan, os três Tarolas, de Índios e Cowboys, etc.
Havia ainda os espectáculos colectivos, de ginástica, de propaganda do 10 de Junho, Dia de Portugal no Estádio do Lima, que faziam parte da actividade regular da Mocidade Portuguesa. Portugal era o país onde mandava Salazar e as pessoas viviam contentinhas no seu canto.
Saídas aos domingos e feriados
Os alunos internos, que não saíam com os familiares, permaneciam no colégio; os que estavam autorizados pelos pais saíam sòzinhos e os outros em passeios colectivos, acompanhados por um prefeito, passear pela cidade: visitar o Museu Soares dos Reis [único na altura] ou o Palácio de Cristal, uma grande obra de arte que juntava pedra ferro e cristal, daí o nome que lhe foi atribuído.
Em 1950 foi demolido, para dar lugar ao Pavilhão dos Desportos na altura muito criticado e apodado de O Cogumelo. Aí podíamos andar à vontade. Passeávamos, alugávamos bicicletas e barcos no lago – principalmente as gaivotas que nos regalávamos a pedalar.
Alguns, sempre que podiam, aproveitavam também para catrapiscar ou namoriscar.
No verão, aos Domingos, os jardins do Palácio de Cristal eram dos mais frequentados da cidade do Porto. Famílias inteiras passeavam nas suas amplas e arborizadas avenidas.
O cinema
Quando fazia mau tempo, a melhor alternativa era uma sessão de cinema, uma das coisas que mais incentivava na altura a nossa imaginação.
Cada sessão normalmente continha: Noticiário, documentários, desenhos animados e o filme [normalmente depois do primeiro intervalo].
Conseguida a devida autorização lá íamos sempre acompanhados pelo Prefeito ver filmes de aventuras e de capa e espada, na altura muito em voga e apreciados pelos cinéfilos. Os mais crescidos, no entanto, preferiam filmes de Amor e Romance.
Texto: cajoco
Fotos: Google