A princípio, depois das aulas e principalmente nas férias escolares, jogávamos futebol com bolas de borracha [não duravam muito, furavam-se e rebentavam fàcilmente, atendendo aos «bons tratos» que lhes dáva-mos].
As balizas eram definidas por duas pedras e a linha de golo por um risco entre elas.
O recinto de jogos era o largo em frente da capela da Senhora da Fé até ao cruzeiro sobranceiro à estrada.
Um dia, nas férias da Páscoa , o meu Padrinho surpreendeu-me, abrindo a porta da cortinha da casa, atirando uma bola na minha direcção, dizendo: «Toma lá para dares cabo das botas ao teu pai!». Foi a prenda da Páscoa que ele me trouxe do Porto. Não queria acreditar no que via. Era uma bola com câmara de ar.
Foi a primeira bola, daquele género, que apareceu em Vilarinho da Castanheira, fez sucesso. Era de gomos em couro, com a famosa câmara de ar no interior, enchida antes dos jogos com uma bomba de bicicleta. Como dono da bola era acompanhado com entusiasmo pela rapaziada da aldeia.
Organizamos uma equipa de futebol da terra , que designamos por VILARINHO. Cada um equipava-se à sua maneira, preferencialmente de camisola e calção branco [o equipamento considerado mais acessível a todos].
O campo de treinos e de jogos passou para um local mais amplo, perto da encruzilhada à saida da povoação. Era inclinado, situado num terreno baldio. As balizas passaram a ser constituidas por dois postes encimados pela trave. Melhoramentos notáveis, que eram motivo do nosso orgulho e satisfação.
A bola mudava tudo. Permitia a troca, as brincadeiras, o riso. No fim humedecíamos as botas para disfarçar as esfoladelas, evitando assim raspanetes ao chegarmos a casa.
Eu era o «dono da bola», tinha vários privilégios e também obrigações. Uma delas era ensebar a bola depois do jogos. Jogava sempre de princípio [aliás jogavam todos, dado que não eram demais]; conjuntamente com outro parceiro, ao meu nível, escolhíamos as nossas equipas, pelo método do pé à frente do outro, até um pé ficar em cima do do oponente; então era o dono deste pé que começava a escolher a equipa e assim prosseguiamos alternadamente.
Havia poucos protestos, a malta aguentava, o prazer de jogar tolerava tudo. Batíamo-nos em intermináveis jogos de futebol. Quando havia algum desaguisado maior, parava o jogo e procurava-se um entendimento; caso contrário não se jogava mais. Bola debaixo do braço e toca de voltar para casa, ninguém se ficava a rir.
A nossa coroa de glória foram as vitórias por 1-0 e 4-0 sobre a equipa vizinha de Vale Torno. Os desafios tinham sempre numerosa e entusiástica assistência, que se distribuía e aplaudia à volta do campo. Árbitro não havia. Os capitães das equipas desempenhavam a função.
Os «heróis», entre outros, foram: António Febre – «o Ferrugem», os irmãos - Acácio e Zé Maria, os primos - Reinaldo Mesquita e Armando Mesquita, os irmãos - Acúrcio Marcos e Ramiro Marcos, Zeca - «Padre Zé» , João Morgado, Zé Silva – «Zé Bonito», Alberto Ruivo, João Morgado, Ramiro Moras, Álvaro - «Alvarinho» , Amável - « o 115», Adérito Moras e eu Jorge, como dono da bola, fazia ao mesmo tempo de seleccionador, treinador e capitão da equipa, jogava a avançado-centro. Os guarda redes eram «o Ferrugem» e o Zé Maria. Os restantes eram escalonados, de acordo com assiduidade aos treinos, um pouco antes dos jogos .
Pretendo assim homenagear os meus amigos que ainda estão vivos e a memória daqueles que da «Lei da Morte se foram libertando».
Foram momentos inesquecíveis, incomparáveis. Éramos uma grande família.
[cajoco]
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