Porto de Sines

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terça-feira, 18 de maio de 2010

O "Vilares Alfaiate"


Alfaiate é uma profissão picuinhas. Uma profissão aparentemente fácil vista por quem está de fora.
O cliente, depois de escolher o tecido, levava-o ao alfaiate para fazer o fato. Este marcava-o com giz afiado, cortava o modelo escolhido pelo cliente e alinhavava-o. Tirava as provas, entrando aí as costureiras, sempre presentes num bom alfaiate.
O alfaiate Vilares morava para lá da rua Costa Cabral. Era um homem sempre bem disposto, tendo sempre algo para contar durante as provas. Foi o alfaiate recomendado pelo Amílcar, filho da D. Purificação Barbosa, dono da “Pastelaria Castelar” em Costa Cabral, próxima do cinema Júlio Dinis.
Depois de mudarmos para a Rua Padre Cruz, passou a ser também o nosso alfaiate. Fez fatos, para mim e para o Zito.
Recordo um fato, em tecido cheviote azul, com riscas brancas. O feitio era de trespasse.
Fizemos as provas, tudo correu bem. A entrega estava prevista para o fim-de-semana seguinte.
Passamos tardes inteiras de três fins-de-semana, à janela, ansiosos a aguardar a entrega dos tão almejados fatos – normalmente entregues, por uma costureira, em casa do cliente.
Os fatos, nada de aparecerem. Metemos os pés ao caminho e fomos ver o que se passava. Estavam como tinham ficado após a última prova. O senhor Vilares não se desmanchou, contou-nos umas das suas belíssimas histórias e garantiu-nos que, no próximo fim-de semana teríamos os fatos prontos, o que realmente aconteceu num domingo de manhã.
Eu, e o meu mano, esquecemos todas as peripécias das esperas, enfiamos as farpelas novas e toca de ir passear.
Desabafo do Zito: «Oh Jorge! Os nossos fatos podem não ser os melhores, mas de certeza que são os mais novos de todos». E lá andamos felizes da vida a passear pelo Porto.
Antes de sair, passava a ferro o meu fato e a camisa, a preceito.
Gostava de vestir bem. Só vestia o fato novo aos domingos e em ocasiões solenes. O Zito, pelo contrário, enfarpelava-se quando lhe apetecia.
No intervalo das aulas, no então Liceu D. MANUEL II, para o almoço, mal chegava a casa, arregaçava as calças para não gastar as bainhas e tirava a gravata para não a sujar ou manchar. Só que, por vezes, esquecia-me de baixar as bainhas das calças e saia assim para a rua. As miúdas riam-se, e eu pensava que estava a fazer boa figura. Só mais tarde dava conta, por mim, ou por me chamarem a atenção.

17 comentários:

Laura disse...

Nossa, que bonita prosa sobre fatos e alfaiates, ainda lembro que em menina o pai ia ao alfaiate para tirar medidas e fazer calças ou fatos ahhhh, agora compra-se numa loja qualquer tudo feito..e que trabalheira os fatos (eu aprendi costura em menina)

Amei saber essa de levantar a bainha para não ficarem raspando no chão e se esquecia de baixar, ah, que gozação..devem ter dito muitas vezes; ehhh tá chovendo na calçada...e a gente sem entender..

beijinho e abraço apertadinho da laura dos tempos dos alfaiates...

Unknown disse...

Seus vaidosos a passear de fatinho novo hein !...
Essa de não desdobrar as calças é que lhe tirava a graça, mas a preocupação de as não sujar também era grande.
As miúdas não tiravam os olhos aí do pessoal de fatinho.
Bons tempos não foi...?

Milhita disse...

memorias que perfazem o que nos habita agora.
Obrigada pelo carinho
Um abraço!

Valéria lima disse...

Tudo isso para não gastar as bainhas...rsrs
Foi ótimo!

BeijooO'

Jorge disse...

Olá, Laura,
Éramos assim, os alfaiates e os rapazes doutros tempos. Uns faziam os fatos e os outros andavam bem arranjadinhos de fatinho e gravata.
Bji
J

Caro Luis,
O fatinho era mesmo para agradar às "miúdas", pois...
Abraço amigo.

Olá, Milhita,
São memórias felizes que perduram, em contraponto com outras, menos felizes e dolorosas...
Outro abraço.
J

Olá, Valéria,
...Não só, para não gastar as bainhas, mas também, para não as sujar. Era ainda mais picuinhas que o próprio alfaiate.
Bji
J

Regina Rozenbaum disse...

Jorge, amado!
É verdade que por onde andamos não existe mais esses "artistas"... Tive um tio que foi alfaiate dos bons e famosos aqui em Beagá. Hoje seu filho tem uma cadeia de lojas masculinas e todos os ternos, fatos (é assim que se diz aí em Portugal) são prontos com as famosas "marcas" nacionais e mundiais. Eu, como escrevi num post, sou apaixonada por homem "enternado" (dentro de um terno), acho ELEGANTÉRRIMO!!!
Beijuuss n.c.

www.toforatodentro.blogspot.com

Regina Rozenbaum disse...

Jorge, amigo e amado!
Volto hoje, agora, para agradecer seu carinho e palavras deixadas no meu último post. Talvez (sem querer ser injusta com ninguém) tenha sido o único, que com sensibilidade ímpar,compreendeu meu "desabafo"! OBRIAGADA do fundo da minha alma, hoje, cansada e tripudiada.
Beijuuss n.c.

www.toforatodentro.blogspot.com

Anónimo disse...

Meu doce amigo Jorge, fiquei bastante feliz com tua visita..mas ainda não matamos a saudade..então aparece mais vezes...e farei sempre o possível para vir aqui, o que muito me agrada..
Adorei o texto, e fiquei a imaginar-te com as bainhas suspensas...rsrsr..
bjos com muito carinho meu amigo..

vieira calado disse...

Conheço uma anedota sensacional sobre um alfaiate

mas não dá para contar aqui.

Não tem nada de mal.

Mas, para ser bem contada, mete muita mímica.

Obrigado pela sua visita à minha astronomia.

Um abraço

Lídia Borges disse...

Gostei imenso do texto.Um regresso ao passado.
Um tempo em que qualquer pouco nos podia fazer felizes.

Um beijo

Jacque disse...

Oi. Vim convidar pra ver meu vídeo novo no Blog: SENTIMENTOS.
Homenagem á pintora mexicana Frida Kahlo, te espero.
http://sentimentos-jacque.blogspot.com/

Beso

Jorge disse...

Rê, Amiga,
Terno [casaco, calça e colete] é, certamente, um termo de origem brasileira. Por cá, genèricamentemente, designa-se por por fato, quer tenha duas ou três peças.
O seu "desabafo", ecoou em mim, porque a amizade perdura e é algo que não se desfaz...
Bj amigo,
J

Sandra,
Obrigado pela presença da "ROSA", mensageira de palavras carinhosas, no Azimute, que retribuirei com prazer.
Bj, minha amiga,
J

Vieira Calado,
Bom azimute o trouxe a este cantinho. Muito bem-vindo. Será o início duma saudável partilha de opiniões e conhecimento.
Um abraço.

Lídia,
Muitas vezes, basta "um pequeno nada" para nos fazer felizes. Obrigado pela visita.
Bj
J

Jacque,
Obrigado pelo convite. Opinarei, em SENTIMENTOS, sempre com prazer.
Bj
J

Maria Rodrigues disse...

Querido amigo excelente, como sempre.

Aproveito para agradecer do fundo do coração todas as suas visitas ao meu humilde cantinho.

Bom fim-de-semana
Bjs do tamanho do infinito
Maria

Jorge disse...

Maria,
Estou atento, aos seus maravilhosos textos e às suas "brilhantes" imagens. Motivar a felicidade de outrem, torna-nos verdadeiramente felizes.
Obrigado, pelo bfs, que retribuo
Bji
J

Laura disse...

Mas vestir dois filhos com fato era cá uma pipa de massa... se era, hoje já nem s e usa e só em festas ou no trabalho,depende...
mas que gostei de te ler, lá isso sim..
Abraço apertadinho da laura

Jorge disse...

Laura,
Obrigado por esta surpresa agradável.
Éramos dois [felizmente ainda somos]... mais duas.
Os nossos pais, já naquele tempo, não olhavam a sacrifícios em prol dos seus rebentos, o que, por vezes, tarde demais reconhecemos.
Saudações amigas,
J

José Sousa disse...

Olá meu amigo Jorge...
Eu já o estou seguindo...
Quero-lhe dizer que, mesmo que eu não faça comentário eu estou aqui, gosto de ler e por isso leio as ideias dos meus seguidores.
Olhe, se encontrar outro planeta para onde poder ir, não se esqueça de mim. Mande logo chamar a NASA, e tratar de arranjar duas passagens. Estou farto destes Desgovernantes que nos roubam, nos esfolam ás descaradas. Será que Salazar era assim tão máu?

Um grande abraço.