Portugal sofre com a desertificação. As aldeias estão desertas e abandonadas, os rebanhos estão a acabar, o gado já não vai para as serras. É necessário reabilitar-se o mundo rural.
Retomo uma breve viagem à minha adolescência e à vida quotidiana rural do pastor no século passado em Trás-os-Montes.
Retomo uma breve viagem à minha adolescência e à vida quotidiana rural do pastor no século passado em Trás-os-Montes.
O gado era guardado por um pastor de Sol a Sol. Botava as ovelhas ao monte em terrenos onde crescia erva apetitosa para que dezenas de ovelhas lhe deitassem o dente. De manhã até à noite sempre ao pé delas e elas sempre atrás dele. Andavam-se assim quilómetros e quilómetros montes abaixo, montes acima. É serviço que nunca está feito, nem de Verão nem de Inverno. Não há pastores gordos. Os pastores gostam da liberdade.
O pastor conhecia todas as suas ovelhas pelos nomes: Zézita, Rouxinol, etc. E fala com elas: "Vais com pressa! Vais! Vais!... E lesto atirava-lhe uma pedrada certeira que caia mesmo à frente da ovelha obrigando-a a arrepiar caminho.
Muitas vezes não sabia muito bem quais os proprietários dos terrenos baldios, mas lá se arranjava.
Os pastores consciencializaram-se de que os lobos são medrosos e enfrentam a situação. O lobo uiva para demarcar o território, mas é cobarde. Ataca os animais mas não os homens. Há apenas que ter capacidade para lhes fazer frente.
O bardo era mudado com frequência, para o gado estrumar bem toda a terra.
O gado era dado de meias pelo propritário ao pastor. Metade da produção para cada um.
O pastor desdobrava-se e dava conta de dezenas de ovelhas que ordenhava à mão, beneficiando do leite dia sim, dia não.
Um cântaro de leite dava para fazer três queijos e ainda requeijões, aproveitando-se também a parte aquosa, o soro.
Os queijos eram feitos numa froncela, para o máximo de dois.
O leite depois de coalhado era espremido nos aros perfurados, escorrendo o soro da froncela para uma bacia. Os queijos eram postos a secar nos aros, em tábuas penduradas no tecto. Depois de secos, tiravam-se os aros e envolviam-se com uma gaze para não esboroarem. Mais tarde eram corados, mergulhando-os numa vasilha com colorau e azeite.
Os requeijões eram feitos do soro numa caldeira pendurada num gancho na lareira, sobre lenha a arder que não deitasse fumo, até quase ferver. Iam-se apurando com uma escumadeira para as requeijeiras.
Havia também a lã das ovelhas e dos carneiros, da tosquia feita pelos tosquiadores, normalmente em Maio, caso contrário no Verão não aguentariam o calor.
Fotos: Google
Com bom tempo, o gado dormia ao relento, num bardo de cancelas. Com esta última arrumação do gado, o pastor ficava mais descansado.
Durante a noite dormia ao lado numa simples cabana.
Os cães com coleiras de lata com pregos que lhes protegiam o cachaço dos ataques frequentes dos lobos, completavam a guarda.
O pastor não dispensava a sua flauta, o instrumento mais antigo do mundo,
feita de cana brava ou de sabugueiro com um furo de sopro e seis perfurações, feitas a fogo, para os dedos.
Os pastores consciencializaram-se de que os lobos são medrosos e enfrentam a situação. O lobo uiva para demarcar o território, mas é cobarde. Ataca os animais mas não os homens. Há apenas que ter capacidade para lhes fazer frente.
Bastava o pastor gritar: «Agarra que é lobo desgraçado e malvado!». Os cães começavam a ladrar e os lobos fugiam. As ovelhas não estavam sozinhas. O pastor assobiava e as ovelhas vinham atrás dele. O céu era testemunha.
O bardo era mudado com frequência, para o gado estrumar bem toda a terra.
O gado era dado de meias pelo propritário ao pastor. Metade da produção para cada um.
O pastor desdobrava-se e dava conta de dezenas de ovelhas que ordenhava à mão, beneficiando do leite dia sim, dia não.
Um cântaro de leite dava para fazer três queijos e ainda requeijões, aproveitando-se também a parte aquosa, o soro.
Os queijos eram feitos numa froncela, para o máximo de dois.
O leite depois de coalhado era espremido nos aros perfurados, escorrendo o soro da froncela para uma bacia. Os queijos eram postos a secar nos aros, em tábuas penduradas no tecto. Depois de secos, tiravam-se os aros e envolviam-se com uma gaze para não esboroarem. Mais tarde eram corados, mergulhando-os numa vasilha com colorau e azeite.
Os requeijões eram feitos do soro numa caldeira pendurada num gancho na lareira, sobre lenha a arder que não deitasse fumo, até quase ferver. Iam-se apurando com uma escumadeira para as requeijeiras.
Havia também a lã das ovelhas e dos carneiros, da tosquia feita pelos tosquiadores, normalmente em Maio, caso contrário no Verão não aguentariam o calor.
A lã era cardada em velos, de que eram feitos os célebres cobertores de papa.
Os borregos eram também vendidos de meias.
[cajoco]
Fotos: Google
8 comentários:
Belo relato e grande verdade.
As aldeias do norte estão progressivamente a despovoar-se e já não há rebanhos.
Só conheci esta parte depois de casar. A minha mulher é natural da Beira Alta. Sernancelhe. Foram todos criados a tratar do rebanho e aprenderam o que a vida tem de duro.
Hoje a maioria das quintas estão abandonadas e já ninguém aguentaria a vida dura que eles tiveram.
Olá, Jorge!
Nasci no campo, e este modo de vida não me é estranho. Que aqui aparece muito contado com detalhe, conhecimento e gosto, levando-nos de volta a um mundo duro, mas onde não faltava encanto, que tende a desaparecer - infelizmente.
Muito por "burrice" de quem nos tem governado, e duma certa mentalidade novo-rica que achava que tínhamos chegado ao topo do mundo em termos de desenvolvimento; e com desprezo por tudo o que é actividade ligada às tarefas humildes do mar e ao campo.E deu no que deu. Pode ser que ainda estejamos a tempo de voltar atrás, tentar recuperar parte do que se perdeu - e que tanta falta nos faz.
Belo texto, Jorge!
Abraço amigo.
Vitor
Adorei esta crónica porque, não sei porquê, sempre me encantou a profissão de pastor. Encontro nela algo de sonhador e romântico embora saiba que é uma vida difícil. Mas há alguma coisa que pague a liberdade??
O rei David foi pastor e penso que, alguns dos seus belos salmos, tiveram raízes nos ventos livres que lhe corriam pela alma.
Beijo amigo e uma boa semana.
Graça
Testemunho de um mundo que recordo nos campos alentejanos da minha infância...
Excelente relato.
Beijo e boa semana.
Há dias, quando ia para a escola, perto de uma aldeia que atravesso, um rebanho, enorme novelo de lã mesclado, ia estrada acima. Parei, abri o vidro para ter o cheiro gostoso daquele momento e uma cabeça castanha entrou-me carro adentro. O pastor pediu desculpa, os cães (os últimos do cortejo) abanavam as caudas e eu fiquei com aquela sensação boa de regresso à terra.
Beijo
me recuerda a la niñez entre escenarios parecidos. saludos
preciso comentario de la situación que pasamos ,buenos retratos
Un abrazo
Maravilhosa narrativa que me fez lembrar os tempos idos da casa dos meus avós paternos.
Obrigada
Beijo
Ná
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