Porto de Sines

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A Matança Do "RECO"


Numa breve viagem aos anos 50 do século passado, recordo-me que em Vilarinho da Castanheira era costume comprar-se nos dias de feira, 1 e 12 de cada mês,  um porco preto, vulgo reco, cevando-o durante o ano, para converter em futuros salpicões e presuntos.


Nas férias do Natal, tinha lugar a matança do Reco, que pertence às minhas memórias mais marcantes.

O modus operandi utilizado e que tradicionalmente ainda se pratica é bárbaro, sendo normalmente presenciado por adultos e crianças.


O principal papel cabia a um dos dois cortadores da aldeia. Este atraía o animal com uma maçaroca de milho na mão esquerda e uma corda com laçada na outra. Mal o reco abria a boca para trincar a maçaroca, o homem enlaçava-o e apertava-lhe logo o focinho, outro segurava-o pelo rabo e dois pelas orelhas, arrastando-o para cima de um tabuão [tábua grande e grossa] colocado sobre duas canastras. No mesmo instante passavam a segurá-lo pelas patas cruzando-as. Isto tudo acompanhado dos gritos estridentes do Reco, que uma vez seguro era de imediato sangrado pelo cortador para uma bacia [alguidar] colocada por baixo, normalmente segurada por uma mulher.

Uma vez morto o reco, desobstruíam-lhe os intestinos com um fachoqueiro de palha introduzido pelo ânus. Outros com outro  fachoqueiro a arder chamuscavam-no. Em seguida esfregavam, raspavam, e lavavam a pele.

O reco era  aberto, cortado e retirado o soventre e as miudezas. O soventre destinava-se às rojoadas e as miudezas aproveitadas para diversos fins culinários. Os rojões, que se comem logo no dia matança, são um verdadeiro petisco  confeccionados de várias  maneiras, tendo o seu ponto alto no Norte de Portugal.


Por fim o reco era levado para uma sala, pendurado numa trave, onde ficava a escorrer para uma bacia até ao dia seguinte. Então era desmanchado, sendo a carne guardada e conservada na adega – normalmente o lugar mais fresco da casa – numa salgadeira de boa madeira grossa.


O porco é um animal cuja carne se come praticamente toda, desde o focinho à ponta do rabo, passando pelas patas ou tripas. É a base da confecção dos enchidos, vulgo fumeiro: salpicões, chouriças de carne, alheiras, morcelas, chouriças de boche e presuntos.
As alheiras preparavam-se juntando o pão com a calda de cozer as carnes até amolecer, misturam-se as carnes gordas e magras e, depois as tripas eram cheias à mão com um pequeno funil de boca larga.


As lareiras acesas contribuíam  para defumar todo o tipo de fumeiro.
A matança do reco é uma tradição em Trás-os-Montes e um pouco por todo Portugal, prolongando-se normalmente por todo o Inverno.

[cajoco]

Foto parcial do Presépio  de Natal de 2011 da SCM de Sines










6 comentários:

Unknown disse...

Outros tempos ,outros sabores ,outras vidas.

Abraço,

Laços e Rendas de Nós disse...

A 'matança', como por aqui se diz na minha Beira ainda é um acontecimento nas aldeias. Já não com a pompa e circunstância de outrora. Mas lembro-me bem, apesar de nunca me ter sido dada a possibilidade de assistir à morte em si.

Dos trabalhos seguintes já via e participava.

Beijo

Ana Tapadas disse...

Interessante documento de uma tradição a que, em menina, também assisti várias vezes...

bjs

Graça Pereira disse...

Meu Amigo
Este texto veio levantar a doce poeira sobre o passado feliz. A palavra "reco" era utilizada pelo meu pai que, todos os anos, fazia a matança do dito cujo ,como bom transmontano que era. Convidavam-se os amigos para uma festa que durava todo o dia e toda a noite.
Nós, as crianças,eramos afastadas por causa da violência da morte do reco mas, assistiamos às chamuscadelas...A minha mãe colocava pedacinhos de carne em vinho e alho e, cada um levava a sua espetada ao lume,para as brasas tiradas de uma grande fogueira à volta da qual todos se reuniam para petiscar e bem, cantar e até,imagina, fazer versos ao pobre reco...
Obrigada por avivares todas estas minhas boas lembranças.
Bem hajas!
Bj e bom fds.
Graça

Regina Rozenbaum disse...

Gosto muito de carne de porco, mais que de boi. Achei interessante conhecer mais uma tradição aí de vocês e a partilha de suas memórias!
Beijuuss n.a.

Jorge disse...

Manuel, Acácia, Ana, Graça e Rê,
Agradeço a vossa companhia amiga e solidária neste espaço em que a leitura dos vossos comentários é um dos momentos mais marcantes para mim e um incentivo para rebuscar mais algumas memórias no meu baú de recordaçõs.
Abraços,