Porto de Sines

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sábado, 12 de novembro de 2011

A APANHA da AZEITONA

Numa modesta casa térrea só com uma divisão, junto ao largo da feira, habitava o feitor António Lereno, com a mulher e os dois filhos, Gentil e o Artur. Não havia privacidade e intimidade.

A lareira ficava a um canto desnivelado. Ao lado, da janela nas traseiras, desfrutava-se uma vista maravilhosa sobre o vale e a encosta onde corria o ribeiro dos moinhos de água. As necessidades básicas insatisfeitas daquela família, certamente não davam azo ao desfrute daquela magnífica paisagem rural.

No ângulo da lareira e em cima do sobrado, todos comiam a sua refeição principal, servida num prato enorme. Quem mais depressa se despachasse melhor alimentado ficava.

Um dia, depois duma dessas refeições, o bom do Sr. António desabafou com o Dr. Belarmino, quando este o interpelou: «Então, homem, o que é se passa!? Está cá com uma cara! «Deixe-me cá o estapor da minha mulher faz-me suar para a acompanhar».

No princípio do Inverno, em Dezembro, o feitor acompanhava  o pessoal na apanha da azeitona.
Normalmente eram assalariados quatro homens. As mulheres eram recrutadas às ranchadas e pagas com cereais, vinho azeite, etc.

Eu gostava de dormir na Ribeira ao pé dos homens que dormiam  no chão em mantas por cima da palha e as mulheres, igualmente acomodadas, noutro lado.

O feitor, de inteira confiança do Dr. Belarmino, – o circunspecto, honesto e leal António Lereno – de madrugada, quando os galos anunciavam o nascer do dia, tocava o búzio para o pessoal – homens e mulheres – se levantarem, comerem uma bucha e seguirem para os olivais: Saraiva, Sulfata, Pescoça, Sardoal e Vale da Sancha.


Ali, a partir do nascer do Sol, os varejadores varejavam a azeitona para cima dos toldes, estendidos à volta dos pés das oliveiras, onde as mulheres a apanhavam de seguida, enchendo os sacos que os homens carregavam nas bestas que de seguida os transportavam para o lagar.

O Dr. Belarmino e a D. Lurdes, por vezes, acompanhavam na sua casa da Ribeira a apanha da azeitona. Acompanhavam-nos a Sra. Bertinha e a Gentil. A Sra. Bertinha fazia a comida e tratava da casa, a Gentil ia para a apanha da azeitona com as mulheres. As duas dormiam num quarto da casa.

No último dia da apanha da azeitona, cerca do meio-dia, tinham lugar as filhós – o prémio de ter acabado o serviço. Era uma pequena festa de encerramento da apanha da azeitona. Patrões, feitor, homens e mulheres confraternizavam comendo as filhós – fritalhada de bôlas de farinha azeite e ovos – pão, queijo azeitonas, chouriço, regados com uma boa pinga de vinho tinto.

[cajoco]

Imagem: Google







11 comentários:

Graça Pereira disse...

Querido Amigo
Gosto destas cenas rurais e aqui, tão bem contadas por ti!
Eu, por certo, juntar-me-ia ao grupo e comeria uma boa mão cheia de azeitonas, com uma fatia de pão escuro! Que delícia...

Beijo e um bom domingo.

Graça

Anónimo disse...

Jorge
Aqui nos presenteia com mais uma deliciosa memória de práticas rurais e suas tradições, sempre tão cheias de vida e encanto!
Abraço, amigo.
Quicas

Regina Rozenbaum disse...

Hummm que delícia. Sabe, amigo, que já apanhei azeitonas...quando tinha 15 anos numa viagem de intercâmbio. Experiência que guardo com carinho!
Beijuuss n.a.

Jose Manuel Iglesias Riveiro disse...

Preciosa descripción de esa tarea, normalmente dura, cuando se hace manualmente, de la recogida de aceituna y la fiesta para celebrar su finalización.
Veo que es igual ahí que aqui, una labor dura y de toda la vida.
Un abrazo.

Unknown disse...

Perfeito.

Abraço.

Fê blue bird disse...

Apesar de ser uma citadina, gosto destas "paisagens" rurais que fazem parte da nossa tradição.

beijinhos

Elena disse...

Un relato cargado de recuerdos y constumbres. De un oficio duro como todos los del campo.
Gracias por la visita y un abrazo desde Faro!

Anónimo disse...

Olá, Jorge!

É uma completa e perfeita descrição do que era em tempos a apanha da azeitona - um belo post temático, diria eu.
Eu ainda tenho uma vaga memória de como tudo era feito, e principalmente do ir com o meu avô com o burro carregado a caminho do lagar - que era a parte de que eu mais gostava - e contemplar toda aquela actividade, que a mim me fascinava.

Gostei!
Abraço amigo.
Vitor

Janita disse...

Jorge Amigo.
Que bem me fez a leitura deste retalho da vida de outros tempos!
O que me ri com o desabafo do Sr. António.
As mulheres são mesmo umas "estaporadas" para trabalhar!!

Olhe Jorge, curiosamente nunca assisti a nenhuma apanha da azeitona lá no Alentejo, mas em Trás-os-Montes, Alfândega da Fé, andei na apanha da azeitona com a minha nora num olival que ela lá tem. Herança do pai. Estava tanto frio nesse dia, que apanhámos um bocado para fazer conserva- que nem cheguei a provar- e o resto lá ficou para quem a fosse apanhar.

Obrigada Jorge, pelas suas sábias e sensatas palavras. Como sempre me levantam o ânimo e fazem ganhar confiança.
Chego a pensar, por vezes, que o Jorge me conhece melhor do que eu mesma.

Um beijinho e abraço com todo o meu carinho, meu Amigo.

Janita

BlueShell disse...

Relembro tal e qual essas cenas da minha infência como se fossem hoje...
Mas hoje...já "partiram" muitos...e outros...já têm outros interesses que não a apanha da azeitona...

Jorge disse...

Amigos/as,
Agradeço a vossa presença, comentando e opinando neste espaço, partilhando assim o vosso saber e as vossas experiências que, pela sua qualidade, vêm enriquecer este blogue.
Pela minha parte, agradeço o vosso apoio. Aprendendo convosco, procurarei fazer as coisas melhor ou doutra maneira.
Um bom fim-de-semana para todos/as.
J