Porto de Sines

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Porto Colégio / Almeida Garrett [2]




As salas de estudo

Os alunos eram distribuídos por amplas salas de estudo de acordo com o ano que frequentavam.
Cada carteira, para dois lugares ,tinha um tampo e subjacente um espaço para os livros cadernos e material escolar. Ao lado, em baixo, havia um armário com uma prateleira e respectiva porta. Quer o tampo, quer a porta tinham duas argolas para se poderem fechar a aloquete [cadeado]. Estes acessórios de segurança eram por nossa conta.

Era nesta sala, vigiada por um perfeito, que estudávamos e púnhamos em dia os nossos deveres em silêncio, nada de basqueiro.  Quando faltava a luz, isso é que gerava grande confusão.l

Por vezes, à socapa, em vez de estudarmos lia-mos revistas de banda desenhada – Gibi, Guri –, e livros de aventuras - principalmente da Colecção Salgari. Esses livros e revistas eram às vezes confiscados pelo prefeito ou pelo director de disciplina – o Ratão –  quando aparecia sub-repticiamente na sala de estudo.

O economato

Recorríamos ao economato, duas vezes por semana, para aquisição de livros e artigos de papelaria que necessitássemos. Estes artigos eram fornecidos, mediante requisição prévia, após as aulas, durante as horas de estudo. Por vezes exagerávamos nas aquisições e daí resultava uma conta calada.
Pelo que me toca, uma vez fui chamado à Direcção, que considerou que os meus pedidos tinham excedido o razoável. Os meus pais iriam achar exagerada a despesa. Propuseram que aquela despesa poderia ser distribuída por três meses, desde que me comprometesse a ter mais contenção em despesas futuras. Assim foi acordado e cumprido. Mesmo assim o meu pai achou as contas exageradas.

Os dormitórios

Havia três dormitórios: o dos pequenos, para os do 1º 2º anos, o pavilhão – para os dos 3º,4º e 5º anos e o dos médios e grandes para os do 6º e7º anos. Eu frequentei os dois primeiros.
Todos os dormitórios eram vigiados permanentemente por um prefeito, que dormiam num quarto contíguo com porta para o interior do dormitório. Portanto nada de folestrias para não arranjar alguma estrangeirinha.
O quarto do director de disciplina era contíguo aos dormitórios dos grandes e dos pequenos; com porta de entrada para o átrio de separação dos dois dormitórios e outra porta que dava para o interior do dormitório dos pequenos.

Tomávamos banho duas vezes por semana. Levantávamo-nos às seis horas, seguindo em pijama e chinelos para os balneários, levando cada um a sua toalha de banho, sabonete e roupa interior para mudar – cuecas e camisola interior.
Alguns ficavam na cama a moinar, alegando estarem constipados, com febre, ou outra desculpa qualquer, que nem sempre era aceite pelo perfeito, sendo mesmo obrigados a ir ao banho.

A enfermaria

A enfermaria ficava no 2º piso da ala direita, do edifício, à entrada do Colégio. Tinha cerca de uma dezena de camas.
Quando  precisávamos de qualquer curativo, tratamento, recorriamos aos serviços prestados na enfermaria.
Quando qualquer aluno tinha uma doença ou doença infecciosa – sarampo, varicela, etc. – ficava nela internado. Eu, recorri a ela somente para tratamento de um ou outro arranhão. Tínhamos autorização, sempre que fosse possível, para visitar os nossos colegas na enfermaria.

A barbearia

A barbearia situava-se no 2º piso do corpo central do edifício. Funcionava depois das horas de aulas, durante as horas de estudo. Os alunos eram chamados por ordem de inscrição. O barbeiro era muito cuidadoso e educado. Por vezes tomava medidas de profilaxia para a evitar a propagação de parasitas nas nossas cabeças, desinfectando-as e cortando o cabelo mais curto se necessário. Isto chamava logo a atenção dos colegas quando o contemplado regressava à sala de estudo, sendo motivo de gozo à socapa.
Aconteceu-me isso uma vez. Assim que dei conta que o barbeiro estava a cortar-me o cabelo mais curto que o normal, não estive com demasias, levantei-me da cadeira, com o cabelo meio cortado e meio por cortar, regressei à sala de estudo assim mesmo. Aquilo foi motivo de gozo para os outros companheiros, mas não me dei por achado. Passados instantes fui chamado à direcção. Aí, o padre Adão, quis saber a razão do meu abandono prematuro da barbearia. Lá contei a minha história. Ele então disse-me: "Sabes! Tu tinhas umas sementezinhas na cabeça e o barbeiro teve que as eliminar. Agora vais lá voltar para ele acabar de te cortar o cabelo". Um pouco contrariado lá fui mas... com a condição de não mo cortar mais curto.

A rouparia

A rouparia funcionava na cave do corpo central do edifício. Lá estava guardada, em cacifos com o número de cada aluno – o meu era o 134 – a roupa interior de cada um devidamente passada a ferro e dobrada.
Alguns tinham tudo do bom e melhor, desde as camisas de popelina, até aos pijamas de popelina e flanela. Eu e outros transmontanos, limitávamo-nos às camisas e pijamas feitos nas costureiras lá da terra.

O responsável pela rouparia era o bom do Sr. Bento, homem já de meia-idade, alto e de cabelos já brancos puxados para trás com auxílio de brilhantina, como se usava na altura. Tinha toda a paciência do mundo para atender as nossas reclamações, principalmente quando queríamos determinada roupa para vestir aos domingos.
Fazia também maravilhosas bolas de trapos, que vendia por cinco coroas, para jogarmos futebol no recreio, embora fosse proibido, dando, de vez em quando, uns chutos na atmosfera. ou então acertando num vidro que os pais tinham que pagar. Motivo porque muitas vezes essas bolas eram confiscadas  pelo prefeito.

Actividades Culturais e Recreativas 

Aos sábados, no período da manhã, tinham lugar as actividades recreativas e culturais em que nós os alunos uniformizados com a farda da mocidade portuguesa – de camisa verde com o emblema da Mocidade Portuguesa, calção caqui com cinto de couro e fivela com um S de Salazar – marchávamos, desfilando.
A Mocidade Portuguesa enquadrava a juventude em idade escolar, obrigatoriamente entre os 7 e 14 anos, voluntariamente até à incorporação militar. No âmbito da MP era também organizadas paradas, acampamentos e sessões de ginástica..



 Os professores de ginástica: Major Tamegão, Prof. Edgar Tamegão e um Tenente da GNR, cujo nome não me ocorre, coordenavam e dirigiam essas actividades.

No fim íamos para a sala de cinema, ver documentários, – alguns deles de propaganda do Estado Novo - e filmes com o Bucha e o Estica, o Tarzan, os três Tarolas, de Índios e Cowboys, etc.
Havia ainda os espectáculos colectivos, de ginástica, de propaganda do 10 de Junho, Dia de Portugal no Estádio do Lima, que faziam parte da actividade regular da Mocidade Portuguesa.

Portugal era o país onde mandava Salazar e as pessoas viviam contentinhas no seu canto.

Saídas aos domingos e feriados

Os alunos internos, que não saíam com os familiares, permaneciam no colégio; os que estavam autorizados pelos pais saíam sòzinhos e os outros em passeios colectivos, acompanhados por um prefeito, passear pela cidade: visitar o Museu Soares dos Reis [único na altura] ou o Palácio de Cristal,  uma grande obra de arte que juntava pedra ferro e cristal, daí o nome que lhe foi atribuído.



Em 1950 foi demolido, para dar lugar ao Pavilhão dos Desportos na altura muito criticado e apodado de O Cogumelo. Aí podíamos andar à vontade. Passeávamos, alugávamos bicicletas e barcos no lago – principalmente as gaivotas que nos regalávamos a pedalar. 
Alguns, sempre que podiam, aproveitavam também para catrapiscar ou namoriscar.


No verão, aos Domingos, os jardins do Palácio de Cristal eram dos mais frequentados da cidade do Porto. Famílias inteiras passeavam nas suas amplas e arborizadas avenidas.

O cinema

Quando fazia mau tempo, a melhor alternativa era uma sessão de cinema, uma das coisas que mais incentivava na altura a nossa imaginação.
Cada sessão normalmente continha: Noticiário, documentários, desenhos animados e o filme [normalmente depois do primeiro intervalo].
Conseguida a devida autorização lá íamos sempre acompanhados pelo Prefeito ver filmes de aventuras e de capa e espada, na altura muito em voga e apreciados pelos cinéfilos. Os mais crescidos, no entanto, preferiam filmes de Amor e Romance.

Texto: cajoco
Fotos: Google

25 comentários:

Laços e Rendas de Nós disse...

Como lhe disse no último post seu desta série, era assim mesmo.

As férias com a família, para os internos,eram as do Natal, Páscoa e as Grandes. Não havia, penso, aquilo que hoje dizem 'falta de pertença no grupo'. A camaradagem existia e ninguém morria de saudades, apesar de as ter. Também ninguém, me parece, ficou traumatizado por a distância. Sabíamos que o que estava a ser feito era o que achavam melhor para nós e não se contestava. Hoje,tudo tem de ser negociado. A própria Educação é vista como isso. Até se consegue chegar ao cúmulo de contabilizar em euros o custo de criação de um filho. Esquece-se que, a custo zero, o mais importante é a educação pelos afectos e valores.

Já me alonguei...

Beijo

Jorge disse...

Acácia Ponderada Amiga,
Alongue-se sempre que puder. È sempre bom e útil saber das suas opiniões.
É isso mesmo. A solidariedade e o espírito de entreajuda eram uma constante, até nos mínimos detalhes.
Nas férias do Natal, da Pàscoa e nas chamadas Férias Grandes, desforrávamo-nos das saudades da família.
A Educação deve ser uma responsabilidade partilhada.
Bj
J

Unknown disse...

A vida nos colégios era sensivelmente igual em todos eles. O rigor e a exigência eram sempre normas rígidas.

As férias eram boas quando se abraçava a família mas depois quando nos obrigavam a ir para o campo trabalhar a situação era um pouco mais dura, pelo sol e pela dureza dos trabalhos.

Cinemas e praias nem sonhávamos com essas coisas. Isso era para os meninos ricos.

Belas recordações que me levaram até 1963 aproximadamente.
Bons tempos....

Jorge disse...

Amigo Luis,
Os ares do campo são insubstituíveis, são saudáveis. Quando regressava ao colégio, após as férias grandes, estava mais moreno que muitos colegas que tinham frequentado a praia.
Foram sempre bons tempos, pecando só por serem irrepetíveis.
Abraço,
J

Janita disse...

Amigo Jorge.
Só lhe venho dizer que infelizmente não pude vir ler nem comentar a parte 2 das suas memórias de estudante.

Há horas que ando às voltas com o meu post. Acabei por ter que copiar os comentários dos amigos/as, eliminá-lo e republicá-lo.

Amanhã cá virei, peço-lhe desculpa.

Um beijo

Janita

Laura disse...

Comecei a trabalhar a aprender costura com dez anos, tinhamos a praia ali perto, em Luanda, férias para mim era isso, estar com os amigos e ir para a praia aos sábados ou domingos, que alegria, que empatia entre todos, havia cinema, ir até à ilha beber uma água um geladito se desse, e a graciosa de 4 em 4 anos, viagens nos grandes transatlânticos o Principe Perfeito, o Vera Cruz, Infante D. Henrique, sempre em primeira classe, ó pois...ou iamos com os pais passear para longe, dormiamos aqui e ali até à cela Gabela, fomos até ao Lobito, enfim, férias querem-se com saúde..agora? se os filhos já nem ligam, daqui ninguém me tira...

Um beijito da laura

Anónimo disse...

Olá, Jorge!

Para quem não passou por esse tipo de educação, parecem duras as condições a que estavam sujeitos, um pouco a fazer lembrar os meus primeiros dois anos na Marinha.Mas como somos todos animais de hábitos, ao fim de algum tempo até não custaria assim tanto como aqui parece, já que a amizade e camaradagem tendem a superar o lado menos agradável das condições de internamento.Também me lembro das actividades ligadas à Mocidade, que no meu caso não passaram do âmbito desportivo, com instrutores vindos do Exército, e das quais gostava bastante, confesso.
Dá para perceber que todos estes momentos lhe ficaram na memória, como boas recordações - aqui muito bem descritos.

Abraço amigo.
Vitor

Janita disse...

Amigo Jorge.
Hoje não me sinto muito faladora, mas é com muito gosto que aqui estou.
Esses tempos de internato eram duros, mas tiveram a vantagem de formar o carácter dos jovens de então. A maior parte da mocidade de hoje não aceita regras e depois é o que se vê. Ontem fiquei horrorizada com a notícia daquele miúdo de dezassete anos que morreu ao tentar "tourear" um carro, de madrugada, na estrada. Uma tristeza.

Quando o Jorge referiu a Mocidade Portuguesa lembrei-me do tempo em que eu e a minha irmã fazíamos parte da JOC, a vertente feminina da MP. Eu, ainda na Pre-JOC. Depois a vida levou uma reviravolta, saímos do Alentejo e nunca mais nada foi como dantes. Enfim...tempos idos!
Meu amigo, recordar é viver e eu gosto muito de o acompanhar nas suas lembranças.
Beijinho amigo.
Janita

Regina Rozenbaum disse...

Pude sentir cada lugar descrito, meu amigo. Memórias assim valem uma VIDA! E fico imaginando a dis-ci-pli-na, que apesar da rigidez não fez estragos. Coisa escassa, para não dizer inexistente, nos educandários de hoje.
Beijuuss, amado, n.a.

Guma disse...

estimado amigo Jorge,

algumas pequenas diferenças do que vivi no meu colégio, mas no geral, assim cresci, balizado pelos mesmos costumes e educação da época.
durante muito tempo ainda mantive o que sobrou do equipamento da mocidade portuguesa - o cinto com aquele "S" que todos sabemos o que representava. não sei mais dele e realmente a única e boa recordação que me trazia era a da educação física, que sempre gostei de praticar.

um excelente momento, este à sua companhia, recordando bons velhos tempos.
tudo era mais duro, mais simples e eficaz.
voltando da viagem a esses tempos, por pouco não me sinto meio perdido na realidade que hoje vivemos.

kandandos... inté!

Lua Nova disse...

Fascinante passeio por suas memórias ricas. Parece que tais memórias são guardadas com carinho e com saudades.
Nossa mocidade hoje é muito mais difícil de se educar. São escolhas demais, são possibilidades demais e, como disse Acácia Rubra, tudo há que ser negociado e nem sempre com facilidade. Enfim, cada tempo com suas facilidades e agonias.
Muito bom texto, gostoso de ler.
Beijokas.

Lua Nova disse...

Esqueci de dizer: adorei o post dos dois cavalos.
Muito bom.
Beijokas.

Jorge disse...

Laurinha,
Tenho também saudades das imensas praias de África, de areia fina e água tão transprente, bem como das licenças graciosas [de 5 em 5 anos], tendo viajado no Príncipe Perfeito. Bons tempos...
Bjis
J

Jorge disse...

Amigo Vitor,
É sempre agradável ler os seus comentários e saber das suas memórias.
A disciplina era rígida, mas nós não éramos nenhuns santinhos. A camaradagem e a amizade, como muito bem diz, ajudavam a superar muitas situações difíceis.
Retribuo o abraço amigo,
Jorge

Laura disse...

Pois Jorge, acabei de escrever uma poesia linda linda sobre o meu sentir em África, a saudade embala a vida.

Ah, ontem recebi um belo poema muito sensual, é a primeira vez e, achei uma piada que nems ei, se der passa lá e ri-te comigo, ó moço é meu amigo mas muito malandro, logo...pelo menos pôs-me a rir com quantos dentes tenho ehhhhhh

beijitos

laura

Jorge disse...

Janita Amiga,
Grato pela solidária compahia, atenção e opiniões dispensadas às minhas recordações de antanho.
As regras sempre balizaram a minha vida. Se fossem escritas, melhor ainda. Ainda participei na JUC.
Bj amigo,
J

Laura disse...

Jorgeeeeeeeeeeee, ah, desta vez venho chamar-te para leres um poema que aos 59, vá lá, pela primeira vez, me enviaram, nada se passa, apenas o meu amigo Javier do Uruguay escreve sensualidades e é maroto, poeta...e, qual esconder...está lá para mostrar, e depois, mas que mal tem? ahhhh posso ouvir a tua opinião? se o manel se esqueceu do aniversário de casamento, tanto pior...nesse dia mimaram-me sem saber, fizeram-me sentir vaidade...ora pois.
beijitos.

laura

Jorge disse...

Rê Amiga,
A sua opinião é sempre indispensável. Como opinião de peso que é. Agradeço a sua companhia e amizade durante este tempo todo.
Bj amigo,
J

Jorge disse...

Sublime Amigo Kimbanda,
É sempre um prazer tê-lo como companhia, através dos seus assertivos comentários, que sempre tenho em muita boa conta. Kanimambo.
Procurarei sempre corresponder.
Forte kandando do amigo,
Jorge

Jorge disse...

Lua Nova,
Bem-vinda! Obrigado pela sua visita simpática ao Azimute e deixar esses amáveis comentários.
Bjs
J

Laura disse...

Hoje tô cansadinha, cansadinha.
Vai uma ajudinha do Jorgeeeeeeeee? é que, é que... e ainda tou a começar, bolas... mas tem de ser. para já, depois se verá.

beijitos da laura

Laura disse...

Ah, esse nina Kimbanda, esse nino Guma ou o nome dele, ah, esse nino é uma alma bem formada, uma alma linda e um Amigo querido que tenho o gosto de conhecer...
Que bom que também sabes ler nos escritos dele, a pessoa que ele é.

beijinho e apertadinho kandando aos dois.

laura

Maria Rodrigues disse...

Amigo Jorge excelente post.
Bom fim de semana
Beijinhos
Maria

franciete disse...

Meu querido Jorge, obrigado pelo carinho prometo que um dia venho ler e fazer o meu comentário, por agora é mesmo só pelo agradecimento carinhoso.
Beijinhos de luz e muita paz...

Anónimo disse...

Olá, Jorge!

Obrigado pelo visita e simpático comentário. E agora fico à espera...

Bom resto de semana, e um abraço amigo.

Vitor