Porto de Sines

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domingo, 10 de outubro de 2010

As vindimas de "antanho"


Guardo memórias preciosas da minha infância e adolescência em Vilarinho da Castanheira, no recôndito Nordeste Transmontano, que quero partilhar convosco.

Em Setembro e Outubro as uvas estavam bem maduras para comer. Apresentavam-se em várias espécies, brancas ou tintas.
Embora grande parte das uvas se destinassem à produção de vinho, havia uma grande tradição de colheita de uvas para conserva.

O feitor, o circunspecto, honesto e leal Sr. António Lereno - homem alto,  seco de carnes e de andar baloiçante. hábito que porvinha de caminhar  nas calçadas - rogava as mulheres e os homens para a vindima.
Tinha dois filhos um pouco mais novos que eu, a Gentil e o Artur que, aliados à mãe, eram motivo dos seus desabafos, dado que na hora das refeições, em que todos comiam ao mesmo tempo do enorme prato comum, "suava para os acompanhar". Quem mais depressa se despachasse melhor alimentado ficava.



As vindimas estavam na sua máxima força no mês de Setembro. O pessoal não parava, em plena vindima, sempre a cortar uvas, durante cerca de três semanas. Recordo a lida do campo de outros tempos. Da enxertia, passando pela poda, cava, sulfatação e vindima.


Acompanhava a vindima nas vinhas de S. Bartolomeu, Olgas, Fraga dos Pais e Fontaínhas. Era a minha derradeira actividade no fim das "férias grandes", antes rumar para o colégio Almeida Garrett, onde estudava como aluno interno.

Mãos ágeis das mulheres, que falavam alto e animavam com os seus cantares a vindima, cortavam as uvas que lançavam para as cestas de uma asa. Cheias de uvas as cestas eram despejadas em canastras e transportadas  pelas  bestas de carga para os lagares.


Acompanhava a pisa das lagaradas de uvas feita, pelos homens descalços de ceroulas arregaçadas e pernas “tintadas”, no lagar de pedra. Primeiro os homens cortavam o lagar a compasso. Depois de cortado o lagar, então dispersavam-se a pisar o vinho em "liberdade".


O transporte do vinho mosto para a adega era feito por mulheres com um cântaro à cabeça apoiado numa rodilha [a "sogra" ] ou por bestas com engarelas para quatro cântaros,  para armazenagem do vinho tinto e rubro em pipas e toneis, sendo prèviamente registados a giz  por mim, em grupos até cinco, num aro da respectiva vasilha.

A produção da águardente bagaceira, feita a partir do bagaço de uva fermentado, no alambique, tinha lugar na alquitarra.
O momento culminante era o da prova, quando os homens de copo na mão aguardavam com expectativa os primeiros pingos de aguardente cristalina.

Havia ainda a jeropiga (bebida feita de mosto, aguardente e açúcar) - bebida preferida pelas mulheres de então -  com que o meu pai as brindava -  na altura da degranha do milho.

Em Vilarinho as vindimas não paravam durante semanas.

Fotos Google

24 comentários:

Laços e Rendas de Nós disse...

Era uma canseira, de facto.

Mas também uma alegria pela confraternização.

Hoje, quase tudo mecanizado, perdeu-se muito do que havia.

Beijo

Vitor Chuva disse...

Olá, Jorge!

Na essência, era este o "ritual" das vindimas na casa dos meus pais, e dos meus avós, aqui muito descrito - quase ao pormenor. Com uma família grande todos se ajudavam entre si, marcando a apanha dos cachos para dias diferentes.Era também um dia de festa, misturando o trabalho de empreitada com o convívio,tudo acabando numa boa almoçarada.
Hoje, muita coisa mudou; a vindima é, agora, apenas a das memórias, que sabe sempre muito bem visitar.

Obrigado por visitar o meu blogue.
Um abraço amigo.
Vitor.

Unknown disse...

Bonita e interessante postagem.

Abraço.

Laura disse...

Olá. Na casa dos meus avós era a mesmissima coisa, quando cá estava de férias acompanhava tudo desde cedinho, ajudava na comida para tanta gente e deliciava-me pisar vinho (o avô deixava depois de tantos ralhos da minha mãe, mas iamos lá para dentro...um grande lagar uma enorme casa de lavoura que ainda existe mas só tem uma tia, os tios, casados e espalhados por aqui...

belissimas recordações neste mês de Setembro...
Um beijinho da laura

Unknown disse...

Uma vindima bem organizada e vista com toda a sequência natural.
Colheita e transporte, vinho, abafado e a aguardente.
Quem sabe se os nossos netos não voltarão a gostar de fazer as coisas como nós aprendemos e hoje as recordamos...?

Lídia Borges disse...

A recompensa da terra na sua indelével generosidade.
Uma descrição que me faz ter saudades de algo que mal vivi. Tenho na lembrança um dia na minha infância em que me levaram a uma vindima, aqui no Minho, para eu ver como era. Apanhei bagos com as outras crianças e nunca mais deixei de ser "do campo".



Um beijo

Regina Rozenbaum disse...

Jorge, amado!
Que beleza de história...memórias, lembranças que nos alimentam sempre. Uma pergunta: "a pisa das lagaradas", as mulheres não podiam fazer tb? É que tenho uma vontade de ter essa experiência...deve ser divertido por demais. E como vc escreveu: pisar o vinho em liberdade.
Beijuuss n.c.

www.toforatodentro.blogspot.com

Osvaldo disse...

Caro amigo Jorge;

Que bela descrição de tempos que muitos de nós vivemos e de histórias de vida feliz e embora cansativa, era uma faina que alegrava as gentes e aldeias do interior. Tudo isso me faz lembrar quando o interior do país tinha vida e ainda se escutavam os contagientes risos das crianças misturados com o alegre cantarolar dos passaros pela manhã.

Vindimas, tantas que eu vivi em criança, eu que sou um nativo da Região do Douro.

Grande abraço, amigo Jorge.
Osvaldo

Guma disse...

Amigo e estimado Jorge.

Prazer em estar por aqui de novo e deparar com um artigo que me trás tão boas recordações.
Serão raros os que ainda fazem vinho pisando uva no lagar, mas felizmente ainda o ano passado e em terras de Sintra/Alcolombal, pude não só assistir, como participar. Pequena produção mas excelente vinho branco com o pouco que se consegue comprar da vindima de Colares.

Deixo o meu kandando com amizade e admiração.

Janita disse...

Jorge amigo!
Como nos faz bem relembrar a nossa infância e todos os acontecimentos que nos ficaram gravados, não só na memória como no coração!
São memórias preciosas mesmo...
A prova disso é esta descrição tão pormenorizada que o Jorge faz, de todo o processo da vindima até a uva se transformar em vinho.
Gosto de tudo que sejam memórias de infância, talvez porque a ela estejam associadas algumas das minhas mais gratas recordações.
Obrigada Jorge, estas suas memórias fizeram despertar as minhas. Embora, em contextos diferentes e em regiões quase opostas.
Beijos,meu amigo.
Janita

Jorge disse...

Acácia Rubra,
Canseira sadia e recreativa que, com a introdução dos procedimentos mecânicos [incluindo já robôs para a pisa das uvas], da tradiçâo fica apenas "folclore".

Viva Vitor,
Dentro de pouco tempo só a nossa memória pode reviver essas tradições e, mesmo essas, vão-se apagando.

Manuel Marques,
Conciso e preciso, como sempre. Obrigado.

Laura,
O meu avô era um grande lavrador, tinha uma "boa casa". Na minha infância a vida no campo representava quase tudo para mim. Cheguei também entrar no lagar e pisar uvas, como divertimento.
Recordar é viver...

Olá Amigo Luis,
Grato pelo tua conceituada opinião.
A modernidade não se compadece com o nosso lirismo. Só as nossas memórias poderão dar asas à imaginação dos nossos netos.


MINHAS AMIGAS E AMIGOS, DAQUI VAI UM ABRAÇO PARA VÓS,
Jorge

franciete disse...

Na minha vida, há horas de solidão
Há sombras, de um passado muito duro
Na minha vida, existe um luar sem lua
Onde um coração vazio, Tenta lutar sem futuro

Uma guitarra chora a triste melodia
Na minha mente vazia, em cada sonho um instante
Essa guitarra chorando a triste verdade
Deixou a marca saudade, e meu grito delirante

BEIJINHOS DE LUZ E PAZ

Graça Pereira disse...

Ora, cá fui eu ás vindimas contigo!
Tudo bem explicadinho...Lembro-me (vagamente) dos meus pais nos colocarem, a mim e ao meu irmão, 4 e 3 anos, no lagar para pisar as uvas porque diziam os antigos que fortalecia as pernas...
Acho que o "teu" Vilarinho fica perto da terra dos meus pais...
Então, bebamos uma jeropiga com uns figos quase secos...Delícia!
Beijo
Graça

joaquim do carmo disse...

Admirável descrição de todo o ritual das vindimas na nossa terra!
Que saudades de meus avós que, em tempos já distantes, infelizmente, me deram a alegria de viver essa tradição gostosa!
Abraço

Anónimo disse...

Olá jorge amigo,
Que bom passar por aqui e ver este cenário tão atraente...parece uma grande festa...
Fez-me lembrar uma passagem bíblica.."E fugiu a alegria e o regozijo do campo fértil, e nas vinhas não se canta, nem há júbilo algum; já não se pisarão as uvas nos lagares. Eu fiz cessar o júbilo." Isaías 16:10
É assim nossa vida sem a presença de Deus.O júbilo vai-se embora..
Belíssima postagem..
Abraços amigo.

Hana disse...

sensivel, lindo post, me emociona tão suave, eu adoro aki vc sabe disso! Ma a falta de tempo me deixa fora da net, mas sempre que posso aki estou.
com carinho
Hana

JB disse...

Este seu testemunho é bem mais precioso que a informação contida em qualquer enciclopédia! Para além de toda a envolvente tradição, as suas palavras acarretam a sabedoria e a dedicação nesta actividade que já poucos sabem da sua maestria. o meu pai é do norte e também ele ainda hoje adora lá no seu humilde terreno dedicar-se a esta sabedoria humana, que ainda persiste no tempo e nas mãos dos que a vivem de alma e coração.

Parabéns! Obrigada pela deliciosa partilha.

Abraço!

Jorge disse...

Olá AMIGOS!
Acabo de chegar do Barrocal Algarvio, peço a vossa tolerância para mais esta deambulação.


Lídia Borges,
As minhas raízes e recordações felizes da minha infância estão no campo. Admiro os "cultivadores da terra".

Rê Amiga,
Naquele tempo a pisa das lagaradas por mulheres era impensável, quanto mais não seja porque [só] usavam saias.
Hoje as mulheres já participam "de calções" nas lagaradas, creio que na maioria dos casos por mero divertimento.
Portanto a minha amiga tem carta branca para pisar o vinho.
Pisar o vinho em liberdade significava "à vontade" por todo o lagar.

Osvaldo Amigo,
Algo temos em comum, as recordações das vindimas e o rio Douro [ainda bem].
Quem corre por gosto não cansa. Outrora, não obstante as dificuldades do quotidiano, trabalhava-se no campo com alegria.

Conceituado Amigo Kimbanda,
O prazer nesta partilha é sempre recíproco e incondicional.
Os procedimentos mecânicos sobrepõem-se aos rituais dos tradicionais, é pena.
O vinho branco de Colares tem fama. É sempre com prazer que podem disfrutar e recordar essas tradições.

Janita Amiga,
Recordar é viver. Se as memórias felizes perduram, é porque vale a pena.
O detalhe, requinte e sensibidade que manifesta nas suas opiniões são, para mim, motivo de expectativa e satisfação. Obrigado!


AMIGOS! Um abraço e obrigado a todos.

Jorge disse...

Franciete,
Bonito poema, evocativo de um passado [e de um presente] muito duro, que deixou a marca da saudade...

Graça Amiga,
Os teus comentários, que sempre admiro, são por si só uma delícia e merecedores de um brinde de amizade. Kanimambo.

Olá Quicas!
Grato pela delicadeza das suas palavras.
Evocar os nossos, seus costumes e tradições aquieta a saudade que temos.

Amigos obrigado e uma boa semana

Laura disse...

Um cacho de uvas como esse aí, agora marchava bem, adoro apanhar no lugar e andar por ali a saborear, ah, que saudade, agora compro-os no supermercado e não tem nada a ver, nem o sabor dos outros tempos.

Abraço da laura

Jorge disse...

Sandra Amiga,
Azimute é o lugar onde Deus está olhando por nós.
As pessoas têm cada vez mais a consciência de que não podem ser felizes longe da natureza, do campo. Todos somos seres naturais.

Olá Hana,
Grato pela visita, pelas palavras amáveis e o carinho que aqui deixou.

JB,
São apenas recordações felizes que vou descortinando nas brumas da minha memória e que gosto de partilhar com os meus amigos.

Amiga Laura,
É sempre agradável a sua presença no Azimute.
Concordo que tem mais sabor apanhar fruta logo ali no campo.


Minhas Amigas, mais uma vez obrigado pelo vosso apoio e um bji para todas.
J

Hana disse...

Oi já te li, na poutra visita que te fiz, então vou ddeixar meu beijo!!

Rosane Marega disse...

Oie jorge...essa sua postagem de hoje me fez sentir uma saudade tão grande de meu Pai que ja se foi a 22 anos...puxa, como ele me ensinou coisas boas, como comer a fruta pega la no pé...o trabalho sendo feito pela mão do homem...e assim por diante, obrigada Jorge por esse momento gostoso de saudades que passei aqui agora.
Beijosssssss

Jorge disse...

Olá Rosane!
É sempre bom evocarmos os nossos entes queridos, assim, estâo mais perto de nós.
Pegá-la lá no pé [a fruta], é isso mesmo, e que bem que sabe.
Abraço amigo,
J