Porto de Sines

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terça-feira, 27 de julho de 2010

Silves / Xilb ou Xelb [I]

São frequentes as minhas evasões para a Quinta das Cortes, quinta secular de compropriedade familiar, situada no alto do barrocal algarvio, entre a beira-mar e a serra, no sopé de um cerro, próxima de S. Bartolomeu de Messines [terra do guerrilheiro Remexido e do poeta João de Deus].

Ali ignorando o relógio, desconhecendo horários, rodeado de alfarrobeiras, figueiras e amendoeiras, com o mar a desafiar-me na linha do horizonte, tenho tempo para divagações e invocações de quiméricos projectos, justapondo as minhas raízes rurais transmontanas.

De manhãzinha ou à tardinha, gosto de andar pelos carreiros , por vezes, surpreendido por uma cobra que os atravessa ou um coelho que salta da sua cama próxima, ao mesmo tempo que me regalo com o canto dos passarinhos e das rolas gordas, das poupas, dos picanços e outras aves, que esvoaçam de árvore em árvore, bem como perscrutar as corujas que se acoitam nos buracos das paredes da nora, à boca da qual vou provar o eco.
Observo ainda o brilho reluzente dos pirilampos, luzes perenes no escuro das noites.
Os meus pássaros preferidos, desde a infância, são os irrequietos pintassilgos doirados, pela alegria do seu canto e cores vivas da sua plumagem. De quando em também diviso um camaleão, regalado ao sol ou movimentando-se lentamente, num ramo de uma árvore à espera de lançar a língua pegajosa [enrolada dentro da boca] para fora, por forma a alcançar o alimento.















Nas minhas ausências deste paraíso rural vou a Messines ou a Silves onde no Al Karib, num ambiente tranquilo, saboreio o meu café [com um rebuçado] e leio as últimas no meu diário preferido, o JN.
O nome Al Karib faz jus às tradições árabes de Silves.

Silves cidade histórica do Algarve, situa-se também no barrocal algarvio. A sua importância ao longo da sua história deve-se muito ao rio Arade, que corre lentamente para o mar e sempre serviu a cidade e as suas férteis margens.

As suas origens, muito remotas, são de difícil datação. Pensa-se ter origem anterior á chegada dos cartagineses, talvez de fundação fenícia [900 a.C.].

OS ÁRABES EM SILVES

É no período Árabe, entre o século VIII e XII, quando o seu nome é Xilb ou Xelb, que atinge o seu esplendor tornando-se uma das mais importantes cidades do Garb al-Andalus. Foi então várias vezes capital e desse período legou-nos uma quantidade de vestígios que não deixam dúvidas sobre o seu nível cultural dessa época.

Ocupada pelos árabes vindos do Iémen e por colonos norte-africanos após a ocupação da península ibérica no século VIII, Silves passou a fazer parte do califado Omíada de Damasco e abraçou a civilização especial árabe. A cidade era o berço da dinastia independente, a de Banu Muzain.

Em 1053 foi conquistada por Al-Mutamid, senhor do Reino de Taifa de Sevilha através do comando do seu filho Al-Mutamid que transformaria Silves numa cidade cosmopolita, admirada por todo o império Muçulmano, onde a cultura assumiu posição de grande importância "A poesia de AL-MU’TAMID".

Além de Governador de Silves e Rei de Sevilha de 1053 a 1091, Al-Mu’tamid permaneceu na história como grande poeta que nos levou a uma admirável e nostálgica poesia, que poetas, escritores e historiadores árabes não deixaram de glorificar. De características amorosas, trágicas e históricas a sua poesia testemunha não só uma época histórica muito conturbada, como descreve com grande minúcia os ambientes exuberantes, os prazeres, as vivências eos sentimentos que rodearam.

É de Al-Mu’tamid a mais antiga referência ao Palácio das Varandas e a uma das mais belas descrições de Silves:



EVOCAÇÃO DE SILVES


SAÚDA, por mim, Abû Bakr
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha.

Saúda o Palácio dos Balcões
Da parte de quem nunca o esqueceu,
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu
Doce refúgio encontrava
Entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas.

Ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
Preso nos jogos do amor
com a pulseira curva,
Igual aos meandros da água,
enquanto o tempo passava…

ela me servia vinho:
o vinho do seu olhar,
às vezes o do seu copo,
e outras vezes o da boca.

tangia-me o alaúde
e eis que eu estremecia
como se tivesse ouvido
tendões de colos cortados.

Mas se retirava as vestes
grácil detalhe mostrando,
era ramo de salgueiro
que me abria o seu botão
para ostentar a flor.

A sua mulher Itimad Al-Rumaykya um dos seus mais belos poemas de amor.

Acróstico

Invisível a meus olhos
Trago-te sempre no coração
Te envio um adeus feito paixão
E lágrimas de pena com insónia.
Inventaste como possuir-me
E eu, ó indomável, submissa vou ficando!
Meu desejo é estar contigo sempre,
Oxalá se realize tal vontade!
Asseguro-te que o juramento que nos une
Nunca a distância o fará quebrar.
Doce é o nome que é o teu


E aqui fica escrito no poema: Itimad

Al Mutamid Ibn Abbad, séc. XI in Adalberto Alves “Al Mu' tamid, poeta do destino” 1999





Estátuas que evocam personagens árabes



Praça com o nome do famoso filho do rei que no século XI conquistou Silves.
Esta praça estende-se pela margem direita do rio Arade.


É um espaço privilegiado onde se realizam várias actividades culturais durante o Verão.

30 comentários:

Janita disse...

Olá Jorge, meu amigo.
Que bela caixinha de Pandora se me revelou!
Adorei os poemas, os educativos e culturais esclarecimentos sobre a história de Silves e as suas reminescências mouriscas mas, tenho de ser sincera; de tudo isso o que me encantou mesmo, foi esse "Retiro" rural com a visão do mar no horizonte...
E pensar que eu passo a vida a sonhar com um Monte (pequenino) no Alentejo!...
Boas férias, meu querido amigo e vá pensando em me convidar um dia destes, para umas próximas férias.
Um abraço com carinho da amiga.
Janita

Graça Pereira disse...

O teu texto, de um lirismo tão bonito...fez-me inveja! Há quanto tempo eu não vejo um camaleão ou um coelho a saltar de toca em toca?
Quem tem a narureza por companhia, é sempre mais rico, importante e poderoso do que os demais...e, possívelmente...mais feliz!
Não é pois de estranhar que o árabe Al-Mutamid, inspirado por toda essa envolvência não abrisse o seu coração ao Amor e à Poesia.
Lindos os seus Poemas, cheios de encantamentos e simbologismos...
Gosto da civilização árabe que...sabem ser livres através do coração.
Beijo
Graça

Regina Rozenbaum disse...

Jorge, amigo, amado!
Que lugar belo... Fiquei aqui imaginando a mistura das matas, montanhas, com o oceano (no meu estado não há mar)e como recarregamos nossas "baterias" num lugar assim...A parte da cobra é a única que dispenso rsrs (tenho verdadeiro pavorrrr/medo)mas o palácio, a poesia, e toda cidade com suas atividades culturais TÔDENTRO. Meu amigo, vim também agradecer suas palavras de carinho e saber se um dia aluga aquele quarto vago? Brincadeiras à parte, deixo o meu OBRIAGADA por sua, sempre, amizade! Boas férias!!!
Beijuuss n.c.

www.toforatodentro.blogspot.com

Vitor Chuva disse...

Olá Jorge!
Esta é uma belíssima visita guiada por uma área menos conhecida do Algarve, mais associado a turismo de praia do que ao bucolismo dos campos que espreitam o mar.
O melhor da Natureza é ela mesma, e aí ela tem todos aqueles sabores e encantos que os mais citadinos de nós gradualmente vamos esquecendo, sem dar conta do que vamos perdendo.
Obrigado por nos ter levado a passear consigo,conduzindo-nos à descoberta do campo e dessas searas de tão bonita poesia.

Lindo post!
Um abraço amigo.
Vitor

Unknown disse...

"A cultura histórica tem o objectivo de manter viva a consciência que a sociedade humana tem do próprio passado, ou melhor, do seu presente."

Excelente texto.

Abraço.

Osvaldo disse...

Caro amigo Jorge;

Caramba... que maravilhosa crónica de história e que bela poesia.
A história da permanência árabe no sul de Portugal e em especial no Algarve sempre me fascinou e respeito profundamente a cultura por eles legada.

As fotos também são de grande profissionalismo e valorizam muito este post que confesso, caro Jorge, foi dos post's que mais me imprecionaram pela positiva até hoje.

Parabéns, amigo, pela aula de História do nosso muiticultural país.

Um abraço,
Osvaldo

Jorge disse...

Janita amiga,
Grato pelo seu comentário.
Na civilização árabe é adorável descobrir as belezas escondidas das suas tradições.
O local é belo, mas o tempo não perdoa e já lhe passou por cima.
Dali, à vista desarmada, divisam-se os edifícios e o mar em Armação de Pera, este último a desafiar-me...
As minhas férias são os dias que a vida me concede.
Saudaçôes amigas,
J

Obrigado pelo teu comentário, muito bom. Expressa sabedoria e sensibilidade apurada, que aguardo sempre com expectativa.
bj
J

Jorge disse...

Graça Amiga,
O comentário que antecede, como não podia deixar de ser, diz-te respeito. As minhas desculpas.
J

Laços e Rendas de Nós disse...

Fiz uma visita através dos campos e da literatura árabe ainda tão desconhecida aqui no nosso cantinho e que, sem dúvida tanto contribuiu para que a literatura portuguesa/cultura em formação tivessem o esplendor que se lhe reconhece.

Obrigada

Beijo

Jorge disse...

Rê, Amiga,
Obrigado pela sua presença, sempre positiva.
Os estados de alma é que fazem com que os lugares se tornem mágicos.
Tenha um dia "iluminado", parafraseando alguém...
Jorge

Viva Vitor,
Belo comentário, com bom gosto e originalidade próprios. Gostei! Obrigado.
Um abraço, amigo.
Jorge

Manuel Marques,
Obrigado pelo seu comentário sintético e objectivo.
Abraço,
j

Paulo disse...

«Observo ainda o brilho reluzente dos pirilampos, luzes perenes no escuro das noites»

Bem....há um azimute inverso que, pelos vistos, identifica uma personalidade sonhadora...
Afinal, como diz o poeta: "o sonho comanda a vida"...

Paulo

Lídia Borges disse...

Alguém que olha desta maneira, que vê assim o mundo nunca deixará de sonhar.
Lindas, as imagens!

Um beijo meu

Jorge disse...

Estimado Amigo Osvaldo,
Obrigado pelo seu comentário generoso e participativo.
Há amigos que não vemos mas sentimos.
A cultura árabe é um tema que me interessa, sobretudo quero aprender.
Um grande abraço.
Jorge

Acácia Rubra,
Concordo com a pertinência do seu comentário relativamente á influência benéfica da cultura árabe no nosso quotidiano sem que, por vezes, disso nos apercebamos.
bji amigo
J

Paulo Sempre,
Sempre bem-vindo. Todo o azimute tem o seu inverso e próximo orientará uma visita ao seu blog, obrigado.
Jorge

Grato pela sua visita.
É bom seguirmos os nossos sonhos sem, no entanto, perdermos o sentido da terra.
bj
J

Paulo disse...

Tal como as curvas de nivel se desencontram no escarpado, também um azimude colhido sem bussula e esquadro nos pode levar a lado nenhum...
Nem 8 nem 80.....

Abraço
Paulo

Jorge disse...

Paulo Sempre,
Que devo dizer?
1.Bem-vindo novamente.
2.Não sou pessoa de 8 nem de 80; esforço-me por manter um certo equilíbrio.
3.As curvas de nivel unem pontos de igual cota porque estão no mesmo plano horizontal [encontram-se no escarpado].
4. O termo azimute pode ser usado metafòricamente.
5.Para além do azimute magnético utilizando a bússola, há ainda a observar o azimute cartográfico e o azimute astronómico, utilizando teodolitos adequados.
6.Saudações azimutais.
Jorge

Maria Rodrigues disse...

Amigo adorei a viagem por Silves. Excelente como todos os artigos que nos oferece.
bom fim de semana,
bjs do tamanho do infinito
Maria

Jorge disse...

Olá Maria,
Infinitamento grato pelo respaldo ao Azimute.
O mundo necessita de mais pessoas como a Maria.
Esta viagem ainda poderá continuar por Silves e pelo concelho de Silves.
bj amigo´
J

Luna disse...

Grata por esta visita guiada entre o presente e o passado,e também pelos belíssimos poemas com que nos presenteaste
Bj

BLOGZOOM disse...

Jorge, a sua descrição dos lugares fez com que eu "visse" o que voce estava contemplando.

O meu pai era de familia portuguesa (Braga e Guimaraes), ele contava tantas historias interessantes de suas viagens com os pais.

Beijocas e otimo domingo!

Guma disse...

Olá Amigo e estimado Jorge!
Não vou lá há algum tempo, mas viajei de novo por esse lugar com alma. Quando estava mais perto ia vezes sem conta pois é rico também em actividades culturais no verão principalmente. Algumas dessas actividades são ao ar livre. Convidativo no verão assim como apelativo em qualquer altura do ano.
Levo daqui um passeio que já não fazia há um tempo, e deixo o meu sincero kandando, agradecendo a sua amizade.

Jorge disse...

Multiolhares
OLá Luna,
Obrigado pelo comentário e pelo sentimento de partilha.
Abr
J

Sissym,
Foi bom ler o seu comentário.
Braga cidade dos Arcebispos e Guimarães berço da nossa Nacionalidade; parabéns pelas suas raízes.
Óptima semana para si.
J

Sergio disse...

Hola Jorge,

enhorabuena por esta entrada, muy completa!

Gracias por tus palabras en mi blog y cuanta riqueza hay en tu família con tantos origenes!

Me encantó saber ese pormenor!

Saludos,

Sergio

Jorge disse...

Kimbanda Estimado Amigo,
Kanimambo pela sua sempre espectável presença e passeio neste seu "Kimbo", o Azimute.
A amizade e o kandando são recíprocos em termos de prazer e partilha. Aqui ficam também para si.
J

Jorge disse...

SERPAI,
A Flor de Ceibo e a Flor de Alfazema rejubilaram com a tua presença.
Obrigado pelo teu comentário, amigo.
Cordialmente,
Jorge

lua prateada disse...

Moro bem perto, e conheço bem todas essas regiões...muito menos do que gostaria...
Contudo fiquei super feliz de ficar a saber práticamente toda a história de Silves, já sabia muita coisa sobre ela os Árabes etc. mas aqui tive a oportunidade de ficar a saber muito mais e OBRIGADA Jorge por isso,
Também fiquei feliz por ter descoberto mais um vizinho.
Beijinho cheio de luz

SOL

Jorge disse...

lua prateada,
Obrigado pelas palavras amáveis que aqui deixou.
Conheço razoàvelmente Quarteira, com a sua praia e o calçadão.
Brevemente, procurarei conluir a história de Al Mu'tamid; aguardarei com expectativa a sua opinião.
Saudações luminosas,
J

Graça Pereira disse...

Jorge, Meu Amigo
Desculpas de quê e porquê?
Tornei a ler este post que está maravilhoso!
Beijo
Graça

Jorge disse...

Obrigado pelo teu comentário, muito bom. Expressa sabedoria e sensibilidade apurada, que aguardo sempre com expectativa.
bj
J

29 de Julho de 2010 02:21

Jorge disse...
Graça Amiga,
O comentário que antecede, como não podia deixar de ser, diz-te respeito. As minhas desculpas.
J
Graça Amiga,
O 1º comentário, por lapso meu, não o autentiquei como sendo para ti. Daí o meu pedido de desculpas.
BJ
J

Guma disse...

Jorge, meu estimado amigo!
Passei e aproveitei para com mais tempo voltar a dar o meu passeio neste seu artigo que está muito completo e de cada vez que leio, lhe retiro algo mais.
Quis também deixar um kandando e o desejo de um bom f.d.s. e o gosto de por aqui estar.
Ah! me esqueço sempre de dizer, a sua escolha musical é tranquilizante e fazme serenar.

Jorge disse...

Kimbanda, meu amigo,
É sempre com redobrada satisfação que leio um comentário seu, ainda mais sabendo que gostou do tema e da música de fundo.
O meu kanimambo e um kandando do amigo que o considera,
Jorge