Porto de Sines

Porto de Sines

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"A Àrvore das Patacas



Os portugueses tinham o gosto pela aventura, saíam de Portugal, procurando melhores condições de vida.
Manuel e Joaquim pertenciam a famílias consideradas remediadas. Ambos tinham a 4ªclasse da instrução primária. Eram muito amigos.
Em meados da década de setenta, do século XIX, resolveram emigrar e partiram rumo ao Brasil, não porque necessitassem, mas para ver como aquilo era ...

Manuel, a princípio, teve pouca sorte. Foi trabalhar como marçano num armazém. Acarretava às costas sacos de açúcar e outras mercadorias do armazém para as mercearias. Além disso, não era bem tratado, sentia-se infeliz.
Um dia, estava com febre altíssima, pousou o saco. Um sujeito que passava, viu-o com a cabeça encostada ao saco, pôs-lhe a mão na testa e exclamou: «Oh rapaz, estás cheio de febre! Quem é o teu patrão!?» Manuel contou-lhe a sua desdita. O senhor, (Puga de apelido, emigrante da Galiza/Ourense, onde também nasceu Júlio Iglésias Puga, pai do célebre cantor Júlio Iglésias) conhecia o patrão, teve pena dele e propôs-lhe: «Vem para minha casa trabalhar, eu vou falar com o teu patrão». Naquele tempo, os ricaços armazenistas de açúcar e ferragens conheciam-se uns aos outros.
Assim aconteceu e Manuel encontrou um «patrão para sempre». Casou com uma das suas seis filhas, Josefina. Tiveram uma filha, Adelaide. Uma das outras seis irmãs, chamava-se Catarina, mãe da minha avó Ilda, ambas nascidas no Brasil. Viviam no Pará.
Entretanto Jesofina adoeceu com tuberculose. Doença grave naquela época, tratada sòmente com cálcio e ... bons ares. Aconselharam os do Acará, para onde foi e onde acabou por falecer, com a agravante de só avisarem o marido, para o Pará, depois do seu falecimento, o que o deixou muito triste e revoltado.

Manuel esteve cerca de 30 anos no Brasil, onde fez fortuna. Regressou a Portugal trazendo a filha Adelaide, com sete anos de idade. (Ambos seriam, mais tarde, padrinhos de minha mãe).
Joaquim, que a princípio teve melhor sorte, também fez fortuna. Regressou a Portugal e passou a viver em Matosinhos, próximo do amigo de sempre. Na sua casa, dava recepções aos amigos, estando sempre a mesa posta, no salão, para os receber.
Numa dessas recepções Manuel conheceu Carlota, que viria ser sua 2ª esposa.

Manuel e Carlota eram católicos praticantes, frequentavam assiduamente a igreja. Em sua casa, em Matosinhos, havia "o quarto dos Santos". Em cima de uma cómoda, coberta por uma toalha grande, ficava o oratório. Nos cantos e de cada lado, ficavam duas colunas, com N. Senhora e S. José. Era lá que, à noite, antes de se deitarem, o casal e as três empregadas internas, se reuniam e rezavam as suas orações. No fim davam-se as boas noites e recolhiam aos seus quartos.

Manuel faleceu a 30 de Setembro de 1933 e Joaquim a 7 de Maio de 1936.

Eu, trineto do senhor "Puga" e bisneto da sua filha Catarina, nasci na cidade do Porto em 1935 (...27 dias antes de a porta da vida se fechar para Fernando Pessoa ...). Depois duma passagem intercalar de 16 anos por África/Moçambique, pela força dos ventos da descolonização, vim parar a Sines (Terra de Vasco da Gama) onde permaneço e que considero minha terra adoptiva.

Nessa época, embora se fizesse a movimentação de pessoas nos dois sentidos , era muito mais intensa de Portugal para o Brasil. Do Brasil, praticamente só emigravam certas elites.

A situação inverteu-se e massificou-se a partir da década de noventa, do século passado, estando em completa expansão. Emigrar para Portugal, passou a ser algo rotineiro.

Os brasileiros, nossos irmãos, "sentem-se em sua casa". Deverão, no entanto, ser-lhes proporcionadas mais e melhores condições para a sua integração na sociedade portuguesa.

6 comentários:

pugadassis disse...

Belo relato e grandes novidades para mim que sou um “distraído”. É o caso Iglésias.
Do restante já tinha ouvido da nossa mãe, que é fonte inesgotável de recordações. Afinal, os padrinhos dela acabaram por ser também os pais! Sempre que os recorda é como pessoas muito humanas.
Gostei da maneira como te referes aos brasileiros. Como sabes andei por lá mês e meio e regressei rendido à sua maneira de ser. São pessoas doces e encantadoras.
Também na geleria "OLHARES" recebi comentários do Brasil para além da simpatia.
Não fora a numerosa família era lá que passaria, pelo menos, o nosso inverno.
Já pedi à mãe o endereço do Luís António pois ainda não desisti da ideia. Gosto muito da terra e das pessoas.
Mais uma vez te dou os meus parabéns pelo rigor com que continuas a perpetuar as memórias da família.Um abraço.

Guma disse...

Boa noite Jorge,
Um verdadeiro contador de histórias e de uma forma muito genuína, muito sua que se traduziu num prazer ler.
Muito bom estar na posse destas memórias e relatar com tanto pormenor.
Aprecio a sua postura para com os nossos irmãos brasileiros que aliás demonstram a todo o tempo muita dignidade, recebem-nos com a alegria que nos emprestam e com o seu carinho e amizade. O testemunho está também na forma sensível, amiga, sempre presente a partir do abraço virtual e contributo amigo nesta partilha que é a internet.
Andámos por aí em todo o mundo a fazer pela vida, no mínimo, já deveríamos ter aprendido como é horrível sentir-mo-nos estrangeiros descriminados.
Uma boa história bem contada, verídica e com muito pormenor e uma sequência que nos prende à sua leitura. Tem o valor dum testemunho de vidas que nos diz que para atingir um objectivo nem sempre o melhor caminho é a via rápida queimando etapas e passando por cima de tudo e de todos.
Gostei de cá estar e aproveito a oportunidade para deixar registado o quanto tenho apreciado o contacto com as suas atenciosas visitas ao meu canto.
Sincero kandandu

Jorge disse...

Caro Mano,

Estas memórias, que atravessam mais de um século de coisas perdidas, de acontecimentos de que poucos se lembram e que gradualmente fui escrevendo, sobre episódios soltos da minha vida, da família e amigos, procurei interligá-las e esclarecê-las, presencialmente ou por telefone, sempre com esferográfica e papel à mão, junto da nossa mãe, património vivo destas recordações, que de bom grado narrou.
O povo português e brasileiro falam a língua de Camões. Têm uma pátria comum, a... língua. Nenhuma marginalidade os pode marginar. Outro abraço.

Jorge disse...

Boa noite, Kimbanda,

Nem sempre o autor é bom juiz em causa própria.

Os seus comentários são sempre objectivos, preciosos e... diplomáticos. A partilha é para mim um grato prazer e aprendizagem. É isto a escola da vida.

Cordial Kanimambo

Regina Rozenbaum disse...

Oi Jorge
Vim cá e agora já me sinto "íntima" para comentar rsrs: bela história, lindas memórias. Eu uma brasileira sei bem o que passa aí com meus irmãos, e fico feliz com a defesa que faz. OBRIGADA EM NOSSO NOME! À propósito, como perguntei ao Kimbanda o significado da palavra kandandu, gostaria de saber se kanimambo é abraço também?
Beijuuss n.c.
Regina
www.toforatodentro.blogspot.com

Jorge disse...

Olá Regina,

Bem-vinda!!!

Os seus comentários são preciosos.
(Kanimambo, significa obrigado em xi-ronga de Moçambique).
A solidariedade tem que ser cada vez mais uma responsabilidade universal. Devemos agir de forma aberta e sincera, não é?
Bjis
Jorge